Poesia e computador

Autor: Jorge Luiz Antonio ((Professor universitário (Faculdade Paulista de Artes, São Paulo, Brasil), poeta, pesquisador de poesia eletrônica, formado em Letras (Português e Inglês), especialista em Literatura, mestre e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC SP, pós-doutorando em Teoria Literária pela Unicamp, é autor de Cores, forma, luz, movimento: a poesia de Cesário Verde (SP, Musa / FAPESP, 2002), Brazilian Digital Art and Poetry on the Web (2000) (<http://www.vispo.com/misc/BrazilianDigitalPoetry.htm>), e Ciência, arte e metáfora na poesia de Augusto dos Anjos (SP, Navegar, 2004) e Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais (no prelo).))

(Unicamp, Campinas, Brasil)

E-mail: [email protected]


RESUMO
Esta resenha apresenta o livro Poesía y computadora, organizado por Saúl Ibargoyen, que reune artigos de autores de vários países e se apresenta, assim, como um panorama das relações da poesia com o computador.
Palavras chaves: literatura e tecnologia, literatura e computadores, poesia contemporânea, poesia eletrônica.
ABSTRACT
This review presents the book Poesía y Computadora (Poetry and Computer), organized by Saúl Ibargoyen, which gathers many essays by authors from several countries and represents, thus, as a panorama of the relationships between poetry and computer.
Keywords: literature and technology, literature and computers, contemporary poetry, electronic poetry.

poesia-y-computadora

A Ciberliteratura ou Literatura Eletrônica compreende a aplicação das novas tecnologias do século XX –dentre as quais o computador, a Internet e a WWW– na literatura (prosa e poesia). Trata-se da interferência do escritor ou poeta nessas tecnologias, transformando sua linguagem referencial em poética. Desde 1959, essas experimentações têm sido realizadas e novos estudos vêm sendo publicados nos meios impressos e eletrônicos.

Poesía y computadora é uma antologia de ensaios e de poesias que resgata trabalhos publicados em Dimensão: Revista Internacional de Poesia (Brasil) e Magazine Littéraire (França).

Grande parte dos ensaios aborda a relação entre poesia e computador (Claudio Daniel), poesia virtual (Ladislao Pablo Gyóri), criação literária e realidade virtual (José Ángel Leyva), os riscos do texto virtual, e-literatura e escritura em tela (Hugues Marchal) e uma transpoética 3D (E. M. de Melo e Castro).

Antologias de poesia visual, neobarroca e de haicai entremeiam os ensaios e contribuem para a beleza gráfica do livro, o que será apreciado pelo leitor, que, graças a esse recurso editorial, certamente procurará estabelecer relações entre os poemas e as teorias apresentadas e, com isso, ficar mais seduzido pela leitura.

Eis a seleção de poetas das três antologias:

visuais: Moacy Cirne, Falves Silva, Angela Serna, Antonio Gomez, Gian Paolo Roffi, Ibirico, Marcelo Dolabela, Maynand Sobral, Delmo Montenegro, F. J. Molero Prior e Sérgio Monteiro de Almeida;

neobarrocas: Eduardo Milán, José Kozer, Néstor Perlongher; e

haicais contemporâneos: Ana Maria Macedo, Antonio Carlos Osório, Cláudio Feldman, Dinovaldo Gilioli, Douglas Mauricio Zunino, Eunice Arruda, Flávio M. de Alcântara, J. A. S. Lorno Feijó, Marília Kubota, Teruro Oda, Paulo Ramos Derengoski, Maria Aparecida Reis, Jandira Kondera,

Além disso, há textos sobre a insurreição do barroco (Claudio Daniel), um panorama da poesia mexicana dos anos 70 e 80 (Samuel Gordon), o haicai: som e imagem (Claudio Daniel), e a possível responsabilidade da poesia no fim do milênio (Saúl Ibargoyen) enriquecem a coletânea.

Poesia neobarroca, haicai contemporâneo, poesia visual e poesia visual eletrônica foram as aproximações que o organizador do texto fez, com base nas poesias visuais, neobarrocas e haicais modernos do México, Brasil, Espanha, Itália, Argentina. Vale ressaltar a contribuição de Guido Bilharinho à poesia internacional, pois, como editor de Dimensão: Revista Internacional de Poesia, em Uberaba, MG, publicou poesias visuais de muitos países de 1980 a 2000.

O livro traz ensaios e poemas dos números 23 (1993/1994), 24 (1995), 27 (1998) e 28/29 (1999) de Dimensão, e do número 332 (novembro 2000) de Magazine Litteráire. A revista mineira foi uma das pioneiras na publicação de poesia eletrônica e ensaios sobre o tema no Brasil: o título «Arte Eletrônica: nova estética» e reprodução de um poema virtual de Ladislao Pablo Györi na capa (1995); o infopoema de E. M. de Melo e Castro e o título «Le parti pris des choses, de Ponge / Uma transpoética tridimensional» (1998): e o dossiê «Novos infopoetas de São Paulo» (1999), com estudo introdutório de Melo e Castro.

A importante seleção de textos pode ser comprovada, também, por um outro aspecto: dois ensaístas de Dimensão fazem parte do importante periódico Visible Language 30.2 (EUA, 1996), cujo editor convidado foi Eduardo Kac, na antologia de ensaios sob o título de «New Media Poetry: Poetic Innovation and New Technologies» (A poesia das novas mídias: inovação poética e novas tecnologias): Melo e Castro (Portugal) e Ladislao Pablo Györi (Argentina), além de autores da Inglaterra, EUA, França, Brasil e Holanda.

Nas relações da poesia com o computador, o organizador reúne poesia visual, poesia neobarroca e haicai como formas que se aproximam da poesia eletrônica pré-web, um panorama da poesia mexicana dos anos 70 e 80 e uma reflexão sobre a possível responsabilidade da poesia do fim do milênio.

A poesia visual, como movimento poético, tem início com as vanguardas históricas do início do século XX e passa a ser praticada com mais intensidade nas décadas de 60 e 70 em vários países. Como um dos tipos de poesia experimental, em que se junta palavra e imagem e se estabelece uma nova relação metafórica e metonímica, ela vai ser realizada com o auxílio do computador, e aderir a esse meio, principalmente pelas facilidades oferecidas pelos editores de imagens, como o Adobe Photoshop, e processos de reprodução como o «scanner».

A poesia neobarroca é um tema que «surgiu pela primeira vez em artigo de Severo Sarduy publicado em 1972»:

A afirmação da poesia como arte industrial se manifestou em Maiakóvski, Apollinaire, Oswald de Andrade, no concretismo. No ‘admirável mundo novo’ da máquina e da técnica, no entanto, problemas sociais como a fome, a guerra, as epidemias, a mortalidade infantil –os Quatro Cavaleiros do Apocalipse– continuam a infligir dor: a reação inevitável seria questionar a idéia de progresso, em sua essência ideológica e em suas representações. O Neobarroco, com certeza, é uma resposta à modernidade. (Daniel, en Ibargoyen (org.) 20)

O haicai já foi utilizado nas primeiras poesias informáticas, é uma «arte transverbal, intersemiótica», que

pode ser incorporado, digerido no fazer poético atual exatamente pelas semelhanças com as tendências estéticas contemporâneas,e, em especial, a poesia concreta, a poesia visual e as experiências com novas mídias, como a holografia e o vídeo, que também se preocupam em criar uma arte concisa, supraverbal, com uma lógica sincrônica, e não diacrônica. (20)

O panorama da poesia mexicana dos anos 70 e 80, a princípio, parece destoar do conjunto de temas e ensaios, porque não fala diretamente da poesia informática desenvolvida no México, mas trata dos diversos critérios utilizados para se estudar a poesia contemporânea: parâmetros cronológicos, antologias, gerações poéticas, manifestos e revistas. Além disso, aborda os tipos de poesias praticadas: poesia conversacional, poesia neobarroca, poesia confessional e transcriação poética (tradução). O texto explica os erros e acertos para o entendimento da poesia do século XX e nos leva a pensar de que forma a poesia eletrônica pode ser estudada.

As reflexões de Saúl Ibargoyen, sobre a responsabilidade da poesia do fim do milênio, tratam das contradições do mundo contemporâneo, da rendição da cultura à tecnologia e aos meios de comunicação de massa, entre outros aspectos, apontando para um outro imaginário contemporâneo, derivado do poder: «nas estátuas, nas marcas da fábrica, nos programas de literatura e nos bilhetes de banco» (62). O ensaísta fala sobre o sistema da literatura (autor, obra, leitor) e considera que uma nova língua poética está surgindo com a infopoesia.

Um dos aspectos importantes desse livro é o cuidado de resgatar textos de vários países e publicá-los no México. Isso significa trazer à tona um trabalho feito ao longo de vinte anos da Dimensão, que reuniu poesia verbal visual e pré-eletrônica em suas páginas, e relacionar os seus temas com o autor da revista francesa e mais outros colaboradores. O organizador, com isso, pôde oferecer a muitos leitores um material que ficaria apenas acessível a pesquisadores e especialistas.

A escolha de «F(r)ases Lunáticas» infopoesia de Maria Virgília Frota Guariglia (Brasil) para a capa foi adequada por várias razões: ela representa o grupo de infopoetas de São Paulo; expressa uma espécie de homenagem e agradecimento à dedicação do Professor E. M. de Melo e Castro, que tão bem orientou os seus alunos infopoetas; e, para o livro, impresso em preto e branco, a imagem de uma espécie de lua marrom convida a uma leitura de um tema singular.

Poesía y computadora é um subsídio para os estudiosos e apreciadores da poesia visual e eletrônica, obra de leitura necessária, tanto quanto Arte e Computador (Abraham Moles), A Ciberliteratura: criação literária e computador (Pedro Barbosa), Poética dos meios e arte high tech (E. M. de Melo e Castro), Literatura e hipermedia (Núria Voullamoz), The Little Magazine Volume 21 (Chris Funkhouser et al), Digital Poetics: the Making of E-Poetries (Loss Pequeño Glazier), Tecno-poesia e realtà virtuali (Caterina Davinio), La poesia experimental latinoamericana (Clemente Padín), Ensaio sobre o texto poético em contexto digital (Antonio Risério), Virtual Muse: Experiments in Computer Poetry (Charles O. Hartman), Prehistoric Digital Poetry: An Archaelogy of Forms, 1959-1995 (C. T. Funkhouser), Livro de releituras e poiética contemporânea (E. M. de Melo e Castro), dentre outros.

Saúl Ibargoyen, natural de Montevidéu, Uruguai, radicado no México há muitos anos, é poeta, narrador, editor, coordenador de oficinas de poesia, jornalista cultural e tradutor ocasional. Publicou cerca de 50 títulos, dentre os quais: Palabra por palabra, Exilios, Fantoche, La sangre interminable, etc. Participou como jurado de concursos literários e jornalísticos em Cuba, Nicarágua, Costa Rica, Uruguai e México. Colabora para as revistas (Archipiélago, Universo del Búho, Tinta seca, etc.) e edita a Revista de Literatura Mexicana Contemporánea.

Bibliografía:

Ibargoyen, Saúl (org.). Poesia e computadora. Trad. de Saúl Ibargoyen e Mariluz Suárez. Originais português e francês. Apresentação de Carlos López. México, D.F.: Editorial Praxis, 2002.


Citar como: Antonio, Jorge Luiz. “Poesia e computador.” Revista Laboratorio 0 (2009): n. pag. Web. <http://www.revistalaboratorio.cl/2009/04/poesia-e-computadora/>